quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Por entre fios e teares

A experiência da criação é tão importante quanto a da restauração. Ora precisamos criar, ora restaurar aquilo que já está pronto, porém danificado.

Vez em quando nos deparamos com imagens da realidade totalmente deterioradas, que parecem não ter solução alguma. Imagens criadas a partir da ânsia humana pelo poder, pela ganância e pela impiedade diante do seu semelhante. Daí é que começa o processo catastrófico do ''morrer aos poucos''. Nós morremos aos poucos quando negamos ao outro o que sonhamos para nós mesmos.

A tecelagem é um trabalho manual rico em sentidos e simbologias (!) Imagine a seguinte cena: uma mãe como de costume diário põe-se a tecer. Seu filho de apenas seis anos se encontra sentado em um banco baixo ao seu lado e vê a peça que está sendo criada de baixo para cima, ou seja, consegue enxergar apenas a parte feia e sem vida. Então ele resolve questionar sua mãe por qual motivo ela perdia seu tempo realizando aquele trabalho, uma vez que se ele próprio não havia gostado as outras pessoas também não haveriam de gostar. Pacientemente a mãe sorri e como que em um gesto de humildade abaixa o tear para que o filho pudesse ver a parte superior da peça, onde todas as linhas (que antes eram apenas fios ou retalhos qualquer) se encontram em harmonia formando uma imagem. O menino então sorri; em sinal de satisfação e alegria logo vai ao encontro da mãe dando-lhe um forte abraço.

Por inúmeras vezes nós somos essa criança sentada em um banco baixo. Enxergamos apenas a parte sem vida e sem sentido. Não entendemos nada. Ficamos a espera de uma explicação, talvez até de uma ação inesperada. Se não tivermos uma atitude ousada como a daquela criança, que se pôs a perguntar, poderemos ficar ali sentados por horas e horas sem compreender a situação. O questionamento não é sinônimo de desconfiança ou de descrédito, longe disso. Questionar é buscar conhecimento, buscar respostas, adquirir um sentido amplo.

A ousadia da criança fez com que a mãe percebesse que de nada lhe valheria tanta beleza representada em seu trabalho se não fosse compartilhada com alguém. Imagino a alegria estampada no rosto do menino toda vez que olhassse para a peça. Alegria de poder enxergar cores fortes e vibrantes e não mais emaranhados de linhas.

Nossa vida é assim minha gente. Temos que recolher retalhos, ou se preferir, fios de linhas que estão jogados por um canto qualquer. De imediato eles podem parecer inúteis, mas quando colocados em união se misturam formando imagens surpreendentes. Imagens capazes de modificar a visão de alguém, de estabelecer um novo sentido.

Nossa vida não teria e não terá sentido enquanto nossas atitudes permanecerem como retalhos. Nós não podemos ser comparados a retalhos. Somos muito mais que isso, somos peças já prontas e que vez ou outra precisam ser reparadas. Uma costura daqui, outra dali. Nada demais, apenas pequenos reparos para que nossa forma anterior volte ou até mesmo melhore.

Os teares não podem ser administrados por qualquer pessoa, ele exige uma técnica. Podemos aprendê-la! Assim, sempre que possível iremos tecer novas histórias para a peça principal que muitos têm mas não sabem valorizar. Tecer é muito mais do que um ofício. Pode tornar-se um lazer também, desde que o façamos de forma prazerosa. 

Comecemos nossa trama. Até o final do dia creio que a peça estará pronta. E se não sair perfeita paciência... temos muito tempo ainda para tecer, o que não podemos é nos deixar levar pelo cansaço, pois temos de tecer pelo menos uma peça a cada novo dia!

Lucas Flauzino

Texto retirado do blog de nosso companheiro Lucas

http://janelassempreabertas.blogspot.com/

Acompanhem!!!