terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Comentário sobre a postagem “Suicídio nos Pintos Negreiros: 20 mortes”


Acompanhando as postagens de “O PASTO DE ÉGUAS” me interessei muito pelo que o Sr. Genésio Fernandes escreveu no post intitulado “Suicídio nos Pintos Negreiros: 20 mortes”. Apesar de o tema ser amedrontador, achei adequada a preocupação do escritor com o suicídio em seu bairro e adequada a postagem sobre o assunto. Ao ler o texto, contudo, me deparei com algumas dúvidas e mal entendidos ocorridos tanto no conteúdo escrito quanto nos comentários que se seguiram. A fim de contribuir com a discussão, dentro daquilo que a mim for possível, eu gostaria de complementar o que foi escrito e entendido por aqueles que também se interessaram pelo assunto. Assim sendo, eu gostaria de dizer o seguinte:

O suicido não é um ato incomum. Da mesma forma ele não é um evento aleatório ou sem finalidade. O auto-extermínio tem por objetivo alívio ou escape de um sofrimento insuportável. Há algumas variantes com objetivos menos comuns em relação ao que estamos acostumados, como, por exemplo, o sutte no qual viúvas indianas se atiravam nas fogueiras que queimavam os corpos de seus falecidos maridos ou o harakiri (“faca na barriga”) executado por guerreiros samurais para recuperar a honra pessoal.

O suicídio é muito estudado, mas ainda existe a necessidade de estudos adicionais, inclusive epidemiológicos (e no Brasil). E é justamente esse tipo de estudo que o autor sugere segundo minha interpretação. Para ilustrar a importância da realização das pesquisas sobre o tema, farei uso no presente texto de muitas informações obtidas em trabalhos realizados nos EUA (os estudos brasileiros são escassos).

Para simplificar minha análise, vou elencar 10 pontos que podem ter gerado dúvidas:

1. estatísticas: estima-se que cerca de 1.000 pessoas cometam suicídio diariamente no mundo. Nos EUA, são cerca de 80 por dia (quase 30.000 por ano).

2. suicídio x intoxicação: são coisas diferentes, mas há uma pequena sobreposição. A intoxicação tem 3 tipos de motivação (1) homicídio, (2) suicídio e (3) acidente. É importante não confundi-las. As relacionadas a suicídio e acidente (confundidas no texto) são diferentes. Quem se intoxica intencionalmente entra tanto nas estatísticas de intoxicação quanto nas de suicídio. Mas as intoxicações por acidente (ex: exposição no ambiente de trabalho) não são consideradas suicídio. Outro ponto importante é diferenciar intoxicações agudas e crônicas por agrotóxicos. As causadas por organofosforados (classe muito usada e principal responsável por intoxicações e mortes) causa, entre outros, salivação, falta de ar, dor abdominal, extremidades frias, alterações da visão e das pupilas e morte (diretamente pelo agrotóxico). Já as intoxicações crônicas são pouco estudadas (não por falta de vontade, mas pelas dificuldades de se realizar estudos confiáveis). Suspeita-se que uma das conseqüências das intoxicações crônicas sejam as alterações psíquicas. Algumas dessas condições estão relacionadas ao suicídio, como depressão, distúrbios do comportamento e perda de capacidade cognitiva (memória, atenção, raciocínio, etc). Assim, o ato de auto-extermínio teria o agrotóxico como um fator causal indireto.

3. Estão associados ao suicido: vício (álcool, drogas legais e ilegais), necessidades insatisfeitas, desespero, desamparo, conflito entre sobrevivência e estresse insuportável, estreitamento das opções de enfrentamento percebidas pela pessoa e necessidade de escape.

4. Depressão e alcoolismo: diferentes estudos nos EUA mostraram que depressão e alcoolismo são fatores de risco importantes. Predispõem ao suicido doenças, principalmente psiquiátricas (mais de 90% dos que se matam tem algum transtorno mental), mas também doenças não-psiquiátricas (que causam muita dor, limitação ou frustrações) e alcoolismo (cerca de 30%). Considerando vários estudos juntos, concluiu-se que 70% das vítimas sofriam de depressão e/ou eram alcoólatras.

5. causas: (1) abaixo dos 30 anos de idade: uso de drogas e personalidade anti-social (é uma “doença” da personalidade) associados a fatores estressores (separação, rejeição, desemprego e problemas legais). (2) acima dos 30 anos de idade: distúrbios do humor e orgânicos (ex: depressão, câncer) associados a fatores estressores (doenças adicionais).

6. origens genéticas do suicídio: existem genes relacionados a desordens do humor (ex: depressão, transtorno de humor bipolar), esquizofrenia e alcoolismo (e que por isso estariam relacionados com suicídio). Discute-se a possibilidade de existir um fator genético isolado, como por exemplo, um gene para a impulsividade.

7. Tentativas de suicídio x suicídio: são bem diferentes, já que nem todos aqueles que tentam suicídio querem morrer. Estima-se que cerca de 10% das pessoas que tentam suicídio realmente conseguirão se suicidar em um prazo de 10 anos.

8. Fatores predisponentes: são fatores que certamente predispõem o auto-extermínio o abuso de drogas e álcool, comportamento anti-social, transtornos psiquiátricos e personalidade impulsiva. Fatores precipitantes: separação, fim de um romance, desemprego, luto e rejeição. Observação 1: relações sociais mais estreitas (casamentos, amigos, igreja) reduzem o risco de suicídio. Observação 2: há uma boa chance de a pessoa tentar suicídio quando fatores predisponentes (que já acontecem há muito tempo) se associam a fatores precipitantes (eventos agudos).

9. Sinais de alerta: (1) pensamentos, intenções, planos e tentativas suicidas, (2) ausência de planos para o futuro, (3) a pessoa desfaz-se de bens pessoais ou faz um testamento, (4) histórico de doenças psiquiátricas e (5) sintomas de depressão.

10. Altitude: não encontrei qualquer referência de associação entre altitude e suicídio (não quer dizer que não exista). O ideal seria comparar as taxas de suicídio em cidades de grandes altitudes com aquelas ao nível do mar ou abaixo dele.

O Sr. Genésio Fernandes, tem razão em querer propor um estudo sobre o suicídio nos bairros rurais, mas pode ser que a taxa de suicídio nos Pintos Negreiros (ou em outros bairros) seja a mesma da população geral (brasileira ou mundial) ou igual a da população da zona urbana de Maria da Fé. Precisamos saber qual é a prevalência (um tipo de proporção) de suicídios dentro da população do bairro citado e qual o período de tempo no qual eles ocorreram. Concordo também que deve haver um esforço para que haja acesso fácil aos serviços de saúde, inclusive os de saúde mental, pois o suicídio pode ser evitado tratando-se seus fatores predisponentes. Outra questão é a da intoxicação por agrotóxicos. Esse mal contribui de forma negativa para o país, pois reduz os anos de vida-útil dos trabalhadores e onera o SUS devido às doenças que advêm desse mal.

Parabéns Sr. Genésio, pela coragem, inovação, preocupação com o próximo e senso de utilidade. Isso é cidadania.

As informações contidas nesta postagem tiveram como principal fonte bibliográfica o livro “Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Kaplan, H. I.”

Égua Astronauta 

Quadro de Vicent van Gogh "O Café Terrace na Place du Forum" (1888).
Pintor genial, van Gogh teria cometido suicídio.