terça-feira, 8 de novembro de 2011

Cem anos de solidão

Mil anos vão passar e Maria da Fé será uma cidade com qualidade de vida igual ou superior a das cidades do interior da Europa ou dos Estados Unidos. Todos nós cedo ou tarde deixaremos a existência para seguirmos a jornada da alma. Mas o Mundo vai permanecer e a cidade, que no ano que vem faz 100 anos, também permanecerá. Dessa forma, um dia chegarão os 1.000 anos. É uma bobagem pensar que os milênios não passam, porque eles já passaram inúmeras vezes. 

Quando esse tempo tiver passado eu afirmo, com certa margem de segurança, que o que nós sonhamos hoje estará realizado. Eu, particularmente, sonhei o seguinte: 

Construiríamos um observatório de astrofísica no Pico da Bandeira, porque, ao invés de ficarmos atribuindo a construção do Observatório Pico dos Dias, em Brasópolis, à “questões políticas”, reconheceríamos que a escolha foi baseada em evidências científicas de que lá era realmente o melhor lugar. Mas considerando que aqui seria então o segundo melhor lugar, a Câmara de Vereadores, expediria uma carta aos nossos jovens que se formaram no conceituado curso de Física da UNIFEI convidando-os a elaborar um projeto solicitando recursos dos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia para construirmos nosso observatório. Competência eles tem, alguns inclusive possuem os graus de Mestre e Doutor. Além disso, o observatório de Brasópolis já está sobrecarregado, já que até os cientistas e acadêmicos da USP (e de outras instituições) que realizam pesquisa lá precisam entrar numa longa fila para conseguir horários para a utilização dos telescópios. 

Entre os funcionários vinculados à prefeitura haveria pelo menos um arquiteto e um engenheiro. Eles trabalhariam projetando a reforma e a revitalização das casas que ou são moradias insalubres ou são perigosas, como por exemplo, sob risco de desabamento. O material seria comprado em grandes leilões ou em grandes lotes negociados por intermédio de empresas juniores, situadas nas universidades e faculdades da região. Assim, o preço seria o mais barato possível e os próprios donos das casas poderiam pagar pela obra, em parcela única ou através de financiamento a juros simbólicos. Não precisariam, portanto, nem onerar ao Estado nem dever favor. Talvez essa ideia fosse utilizada para todo o projeto arquitetônico da cidade, tornando-a um exemplo de urbanismo e paisagismo com conseqüências inclusive sobre o turismo. 

Nesses mil anos teríamos superado o fracasso que é o nosso sistema de esgoto. Ele seria 100% tratado, e os resíduos poderiam ser utilizados para a produção de biogás nos biodigestores para gerar parte da energia que nós consumimos, barateando a conta de eletricidade. Quem sabe o Ribeirão Cambuí não teria no seu trajeto urbano 2 ou 3 estações de banho público. Acho que até lá isso ainda se chamará sustentabilidade

Quanto ao meio ambiente, teríamos projetos de reflorestamento (com fins econômicos ou não), bancos de espécies e viveiros públicos bem geridos. Haveriam empresas de extensão rural baseadas nos modelos norte-americanos e o solo e água seriam bem manejados, pois o produtor rural teria assessoria de ponta. Para aqueles que têm fontes de água que contribuem para o abastecimento da cidade, poderia haver alguma gratificação pela adequada conservação do local da nascente e trajeto da água. 

Na saúde, teríamos 1 médico para cada 2.500 habitantes. Mas seriam médicos generalistas (médicos da família), já que eles têm capacidade de resolver 85% dos problemas de saúde da população. Só seriam encaminhados para consultas com especialistas ou para cirurgias em outras cidades os outros 15%. Não precisaríamos gastar dinheiro aqui com hospitais se a rede de atenção primária à saúde fosse bem estruturada na região, considerando que nas cidades maiores existem hospitais de médio e grande porte para atender aos casos mais complexos. 

Haveria um bom serviço de estatística para avaliar as grandes áreas como saúde, educação e segurança, orientando os nossos governantes na arte e na ciência de governar. Quanto à justiça, teríamos um local para a realização de reuniões de conciliação, um juizado de pequenas causas e de litígios trabalhistas. Fóruns em cidades pequenas continuariam fora de moda. 

Todos esses projetos seriam feitos de forma bem planejada, e não precisaríamos ficar praticando essa política de favores, na qual deputado “fulaninho de tal” é contactado para ajudar a comprar um simples aparelho de radiografia (o que não se justifica mesmo se fosse um aparelho de tomografia computadorizada ou de ressonância nuclear magnética). Isso porque os projetos seriam enviados diretamente para as secretarias de estado ou para os ministérios. Não precisaríamos sequer tocar no orçamento municipal, que já está bastante ocupado financiando a compra de cestas básicas, telhas, latas de areia e dentaduras. O prefeito não seria avaliado por ter ou não “coração bom”, mas sim por sua competência, capacidade de realização e visão de futuro

O dia em que tudo isso vai acontecer chegará sim. Mas hoje, depois de ouvir as declarações de um vereador sugerindo a construção de uma área coberta para que uma meia dúzia de pessoas jogue truco na entrada da cidade ou no jardinzinho da igreja, eu vi que pensando assim, estou condenado a pelo menos cem anos de solidão. Parece que estou correndo atrás do vento, talvez fosse até mais adequado mudar meu nome para Égua Cata-Vento

Fico imaginando as mulheres marienses que sustentam a casa trabalhando em Itajubá voltando de carona no carro de um vereador (ou candidato) depois de uma jornada de trabalho cansativa e vendo o marido jogando cartas na entrada da cidade, isso sem mencionar os visitantes e todo o resto da população que discorda dessa prática em público. E os justos trabalhadores que vão à missa no domingo de manhã na ora do pedido de perdão. Terão que escutar um grito bem alto de “seis” e/ou “truco”. Acredito que, assim como Jesus o fez, eles também rogarão “Pai, afasta de mim esse cálice” (de vinho tinto de sangue).

Égua Astronauta