sábado, 19 de novembro de 2011

Campo de trigo e de futebol

Meu pai me contou, saboreando fumaça de pito e eu repasso o narrado. Aconteceu nas Posses ou na Mata dos Zidório: ele não está mais aqui para eu conferir, mas acho mesmo que foi na Mata. Só sei que envolve um campo de futebol com três nomes dos arredores: Cesarino Batista, carpinteiro de primeira e irmão do Zé Tio e do Geraldo Batista.

Há pessoas que amam um campo de futebol, porque, para eles, o campo de futebol é o centro do mundo, da vida, do prazer e da beleza. Houve tempo em que cada lugarejo tinha esse mundo e seu centro, para cada domingo, depois de semana dura fussando a terra nas montanhas pedregosas desta Minas Gerais. 

O campo era terreno do Zé Tio, mas, um belo dia o Geraldo Batista, na ausência do irmão, arou o campo de futebol e plantou trigo... Se todo mundo sabia o que era uma bola e uma jogada bem feita, ninguém naqueles grotões marienses sabia o que era trigo. Aconteceu, porém, que o campo virou trigal com o vento de cada dia e a curiosidade de todo mundo. Os cachos foram surgindo e produziu trigo como nunca, deixando o povo intrigado de queixo caído. 

Dizem que para limpar o trigo, Geraldo Batista o colocou no monjolo cercado de lençóis e virou rei do trigo nas redondezas. 

Meu pai não leu os pensamentos desse homem curioso, nem eu e nem o caro leitor dessas linhas – mas é bem possível que o Geraldo Batista tivesse planos de replantar o campo e, depois, cobrir de trigo terras muito maiores do que se possa imaginar. Mas, contra a paixão do futebol, nem o melhor trigo, nem o pão e a multiplicação dos pães tem poder. Acho mesmo que se Jesus andasse por esses povoados encravados nos grotões e serras, o povo lhe pediria outra coisa: a multiplicação das bolas e dos campos. 

Assim, aconteceu o previsível: o Zé Tiu bateu o pé e disse: “nada de nova plantação, o terreno é meu e contente-se com essa vez” - e deixou formar de novo o campo de futebol, graminha por graminha, o gol, o centro e o lugar de bater os pênaltis. Do “jeitinho que está lá até hoje”, disse meu pai, quando me contou o caso. Será? Não sei se ainda está lá ou se tudo acabou com o sumiço que deram nos campinhos de futebol Brasil afora? 

A essa altura, o contador de histórias considerou que eu estivesse contente e eu, de fato, estava feliz com a figura do Zé Tiu e seu amor pelo futebol, ali pertinho da sua casa, com o alarido dominical dos jogadores e da torcida. Soube disso pela tragada costumeira que dava no pito nos finais dos causos que contava. Então perguntei o que fora feito do outro sonhador de plantações desconhecidas, de lugares muito distantes e de outros centros de mundo. 

Meu pai foi breve. “depois disso, o Geraldo Batista plantou batata, arranjou dinheiro e foi para o Paraná, em Sobradinho. Lá comprou 22 alqueires de mato com água em abundância. Desmatou, montou serraria e ficou rico. Até veio passar uns tempos com a família nas Posses, mas arranjou uma ferida na perna, sem cura, e morreu com isso. Criou duas famílias e deixou todos bem. Diziam que era meio ‘espelotiado’, andava armado, atirou um homem de raspão. Mas todos gente de sabedoria.” 

Historias de nossa terra. Belas e emocionantes histórias e, digo, mesmo: promessas de roteiros de filme... quem sabe um dia. 

Genésio Fernandes