sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Barreira de urubus salvará imunidade parlamentar dos vereadores de Bruzundaga

Tem urubus nesta história, sim, mas esperem um pouco. Antes, porém, é preciso dizer que, como cidadão de Bruzundanga, tenho direito e mesmo dever. Direito e dever de acompanhar o debate político travado na Câmara de Vereadores de minha cidade. Geralmente não fazemos isso, porque achamos uma coisa chata, porque somos descrentes da política – ou, ainda, porque esquecidos de nossa força.

Mas, como não podemos pensar sempre assim, saí de casa e fui à cidade ver a reunião da Câmara – porque luto pela construção de uma ponte e por melhorias na estrada de meu bairro. Se participando, escrevendo, falando e brigando já é difícil e demorado o atendimento do prefeito - imagine se a gente ficar acomodado em casa e nunca aparecer por lá, para olhar na cara daqueles que o povo elegeu. 

Não perdi tempo. A reunião da câmara foi um grande espetáculo, apesar de cansativa! 

Ela trataria, entre outros assuntos, de possíveis condutas ilegais por parte do poder executivo da prefeitura. Não vou tratar disso aqui, mas de um dos rumos duvidoso e mesmo perigoso que a dita reunião tomou – e que permite à gente rir para não chorar. Por causa disso é que os urubus vão entrar nesta história. 

Tudo começou quando, no meio da reunião, a palavra foi dada a um advogado de quem reconheço a competência e a cultura, no desempenho de suas funções. Ele estava lá para defender um cliente chamuscado e ressentido com críticas dirigidas ao prefeito da cidade, por um honesto membro da câmara, em reunião anterior. Portanto o ilustre advogado fez o que deveria fazer, por todos os meios retóricos que conhece bem, citando leis e alinhando argumentos. Foi farto nisso, como um plantador de batatas no ensino do seu plantio. Quem é do ramo sabe de tudo e mais um pouco... e pode até pecar por excesso, defendendo a moderação. E foi o que aconteceu. 

Para defender a cliente e repreender o vereador, por excesso no discurso crítico, falou muito na falta de moderação no uso da palavra, mas, no fim, acabou cometendo o mesmo pecado que condenava. Foi assim como segue. 

Começou por dizer que a imunidade parlamentar de que goza um vereador, para criticar o executivo e quem quer que seja, não é para cometer abusos. Quanto a isso tem razão. Mas, em seguida, exagerou um pouco, no entender dos membros da mesa e dos ouvintes da platéia. Exagerou quando sugeriu que as críticas de um vereador nem deveriam ultrapassar os limites do município, porque, se ultrapassar, ele cometeria crime sem proteção da imunidade parlamentar. 

Se todos os presentes não exageramos, também, na interpretação, o que ele quis dizer é que a voz crítica do vereador deveria ser baixa, para não ser ouvida por todos e nem muito longe da câmara e do município. Dessa forma, nem o uso do rádio e da Internet seria conveniente, pois esses meios de comunicação fazem a voz crítica dos vereadores soar alto e muito longe, fora do município e mesmo do Brasil. 

Ora, isso, além de ser um exagero, não cabe para o nosso tempo privado de meios de comunicação sem limites. Desse jeito, até os senadores de Brasília poderiam perder a imunidade parlamentar, pois são ouvidos até nos cafundós da China, pela Internet, rádio e TV. Como resolver esse problema, se isso for verdade? 

Os cidadãos da platéia ficaram perguntando: será que o jeito é dizer aos vereadores que toda crítica só pode ser feita cochichada, para ser ouvida por poucos? Será que deveríamos cercar o município com barreiras contra ondas de rádio para que os vereadores possam divulgar o que falam, sem perder a imunidade parlamentar? Muita gente ficou matutando nas possíveis implicações do discurso do distinto advogado. 

Foi aí que os urubus entraram na história. Um cidadão presente (bruzundanguense de coração) sugeriu ao presidente da câmara um projeto para salvar, de uma só vez, o direito de critica e a imunidade parlamentar dos vereadores. E ele explicou como, com ilustração e tudo. 

O projeto dele prevê a criação de barreiras silenciadoras de discurso crítico, nos limites do município de Bruzundanga com os demais municípios. 

Para isso, consultou técnicos renomados em assuntos de ondas de rádio, mas eles disseram que não sabiam de meios para barrar ondas sonoras. Lembraram apenas que os americanos tem um avião pretudo e urubuzento que absorve ondas de radar... mais nada. 

Então, depois de muito estudo e farta imaginação, esse aplicado cidadão achou uma solução: os urubus! Uma barreira de urubus, na vertical, nos limites bruzundanguenses com os demais municípios seria a solução. 

O presidenta da câmara estranhou a proposta, mas a explicação minuciosa do imaginoso senhor não deixou de ser, no mínimo, curiosa. 

Segundo esse senhor, a escolha dos urubus se deve ao fato de essas aves sumidas estarem reaparecendo em grande número com o aumento de fedentinas municipais e carniças à vista. Chegou a pensar na escolha do tucano, que também está reaparecendo, pois ele tem bico grande e duro, mas foi descartado porque tem corpo pequeno. Assim o escolhido foi mesmo o urubu. 

Para o autor do projeto, esses bichos atraem a fedentina municipal que vai pelo ar. A fedentina chega neles e para. Eles chupam a fedentina e vivem dessa chupação catingosa. Por isso, concluiu que, se as ondas condutoras do discurso crítico dos vereadores viajam pelo mesmo ar que carrega o mal cheiro e as catingas, uma BARREIRA DE URUBUS FECHANDO O MUNICÍPIO poderia barrar as catingas e as ondas sonoras condutoras de críticas ao executivo. 

Assim, os vereadores poderiam criticar à vontade. Suas palavras ficariam como gato em saco de estopa – tentando sair do município e só dentro do município. Se isso funcionar, disse ele, estão salvas as duas coisas: o DIREITO DE CRITICAR EM VOZ ALTA, PELO RÁDIO E PELA INTERNET; e a IMUNIDADE PARLAMENTAR dos vereadores. 

O presidente da câmara recebeu o projeto educadamente, agradeceu meio desconfiado do estado mental do proponente, mas prometeu estudo demorado – pois tudo deve ser tentado para salvar as duas coisas preciosas para o exercício do mandato: o direito à crítica e à imunidade parlamentar. 

O problema, diz ele, é achar quem treine esses urubus para o sublime serviço de composição da tal barreira urubuzenta. A tarefa é das mais difíceis... Adestramento é coisa fácil, mas os defensores dos animais já disseram que isso fere o direito dos urubus, que só podem se alimentar de carniça e fedentina puras – sem mistura de coisas tóxicas como ondas de rádio e palavra censurada... 

Como todos podem ver, vai haver impasse... mas dizem as más línguas que tem gente poderosa interessada em ajudar na execução desse projeto, por mais estranho que ele seja... 

Vamos aguardar: nas terras de Bruzundanga tudo pode acontecer - inclusive o comparecimento em massa dos cidadãos às reuniões da Câmara de Vereadores. 

Genésio Fernandes