quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Caridade e Politica

Terça-feira, 16 de setembro de 2008, 15h14

"A melhor expressão de caridade é a política", explica teóloga

Redação


O noticias.cancaonova.com entrevistou a Diretora Acadêmica da Faculdade Dehoniana e teóloga, Rosana Manzini. Há 20 dias das eleições, a profissional fala sobre a necessidade de conscientização por parte do eleitor e da relação entre Doutrina Social da Igreja, leigo e política.

Segundo Rosana, "a religião exerce um papel fundamental na sociedade e orienta a vida comportamental do leigo". A Igreja convida-o a inserir-se nas realidades políticas do país, fazendo-o conhecedor desse instrumento eficaz de caridade. À luz da religião, o eleitor escolhe bem o candidato que, por sua vez, transmite em seu mandato os valores que a Igreja abarca.

noticias.cancaonova.com: Que relação existe entre a política e o papel dos leigos na sociedade?
Teóloga: O Magistério da Igreja, através da Doutrina Social da Igreja, coloca para os leigos, uma responsabilidade muito grande com relação à política. Na Encíclica "Deus Caritas Est", por exemplo, o Papa Bento XVI faz a relação da política com a caridade.


A política determina que todos tenham acesso ao bem comum. Pela política, posso escolher as pessoas que vão fazer com que os meus irmãos que estão longe sejam atendidos em suas necessidades. Por isso, é que se fala que a política é a melhor expressão de caridade. Ela estende o braço onde não posso alcançar fisicamente.

Deus me confia, por exemplo, pessoas que estão no sertão do Maranhão. Fisicamente não posso estar lá. Mas, na minha escolha política eu estarei lá através dos políticos que vão realizar a busca e o alcance do bem comum para aquele povo.

noticias.cancaonova.com: A religião não tem interesse só na vida espiritual do leigo, mas também na social. Onde e como essas questões se encontram?
 

Teóloga: Não existe religião que não abarca a questão social e a sociedade como um todo. O Magistério da Igreja vai falar de uma divisão grave entre fé e vida. Esse divórcio entre fé e vida causou problemas enormes. Como se eu pudesse cuidar só da minha “alma”, da “minha salvação”, e não contemplar a vida como um todo.

Deus, através de Jesus no Mistério da Encarnação, mostra o projeto social d'Ele para a humanidade. E toda a escritura revela a vida de um povo comum. De um povo escolhido, sim, mas concreto, que tem terra, que pisa, que suja os seus pés. O povo de Deus não é algo metafórico ou uma idéia quimérica, poética. O povo de Israel é um povo concreto. E o povo de Deus, da sua Igreja hoje é concreto. Ele vive, ele mora, ele tem doença, ele tem que aprender, ele tem que adquirir conhecimento. Então, esse bem comum que é vontade de Deus, e que vai dar possibilidade para que eu me desenvolva integralmente como pessoa, está intimamente relacionado com a questão política.

noticias.cancaonova.com: Até que ponto a questão moral religiosa interfere na Política? Qual a relação da moral com a ética política?

Teóloga: A ética é o conjunto dos princípios e dos valores que iluminam e orientam a moral que é o agir e a prática. Sem dúvida nenhuma, o aspecto moral tem algumas vertentes. Nós somos feitos pelo tempo, pelo espaço. Quer dizer, de onde venho? Qual minha idade? Em que sociedade eu cresci? Tudo isso é determinante para o meu comportamento. Por isso, a moral religiosa vem para resgatar os valores originários que vão permitir esse desenvolvimento ético da pessoa.

Vejo que a questão moral vai esbarrar muito na concepção de Deus que as pessoas tem. Muitas vezes, nós privatizamos Deus. E quando eu privatizo Deus, perco a dimensão da comunidade. Deus passa a ser só meu, então eu não me relaciono com o outro. Não me relacionando com o outro a política perde o sentido.

Nós lamentamos a forma, nós lamentamos as moradias indignas, nós lamentamos as mortes nas filas dos postos de saúde, mas não nos comprometemos à mudança, quando Deus é privado. Agora quando nosso Deus é o Deus de Abraão, de Isaac, e de Jacó, é o Deus que se revela como comunidade pela própria Trindade, não ficamos acomodados. Aliás, João Paulo II, no Documento “Christifideles laici”, fala assim: "Não é lícito hoje a ninguém ficar inativo". Porque a omissão diante da sociedade gera morte.

noticias.cancaonova.com: Qual é o limite da participação do leigo na política. Principalmente em relação aos partidos políticos?

Teóloga: A Igreja orienta, desde o Concilio Vaticano II, o leigo a escolher o candidato que ele realmente conheça. Ele tem que buscar conhecer o candidato. Ele não pode ceder quando alguém apresentar um santinho com um número e disser: "vota nesse!" Isso é irresponsabilidade, não só com a minha vida, mas, com a vida de tantos. Então, o cristão, tem uma responsabilidade de escolha. Ele tem que se informar sobre quem é a pessoa.

Ele tem que acompanhar essa pessoa. Ele tem que acompanhar aquilo que o candidato prometeu, porque é um tempo de muitas promessas. Esta é a realidade do compromisso cristão em relação à política. Não é simplesmente eu passar a minha responsabilidade de cidadão para o político que eu elejo. Porque eu abdico da minha cidadania quando eu passo pra ele a minha responsabilidade. Eleger não quer dizer abdicar da cidadania, pelo contrário, é estar junto para construir uma sociedade nos valores que nós acreditamos que se relaciona e que está diretamente ligado ao projeto do Rei.

noticias.cancaonova.com: Qual deve ser o foco do leigo na hora de escolher o candidato, a pessoa ou o partido?
 

Teóloga: A pessoa não faz o papel sozinha, ela tem que estar dentro do grupo e o grupo é o partido. Este é o modelo de democracia que nós escolhemos. O candidato não é sozinho, porque sozinho ele não vai fazer nada. Então, obviamente, o partido tem um peso muito grande. Mas também, é obvio que esse candidato tem que ser visto. Porque mesmo a pessoa estando num partido, ela precisa ser conhecida, precisamos saber se no seu histórico ela não é uma pessoa corrupta, com processos. Porque se for não dá pra elegermos tal pessoa. Então nós temos que saber os projetos, os planos de governo. Nós temos que conhecer o candidato e o partido, senão a gente peca por omissão.

noticias.cancaonova.com: A Igreja perdeu a postura de radicalidade que se confundia com o partido da esquerda, na época da ditadura militar? A Igreja deixou de ser radical?
 

Teóloga: A Igreja não pode perder sua missão profética, ela tem que denunciar. Então, na época da ditadura, a Igreja tinha que denunciar. Hoje ela está num momento histórico diferente, mas que tem que continuar denunciando. Ela não pode perder o anúncio da boa nova, e nem deixar de falar das injustiças. Muitos podem pensar que houve uma mudança situacional e que não existe mais injustiças sociais, isso é um engano.

Aconteceram algumas melhoras, sim, mas, sem dúvida nenhuma, as injustiças sociais continuam. Basta chegarmos à periferia das grandes cidades e olharmos o lugar onde moramos pra encontrar pessoas que vivem situações calamitosas. Então, a Igreja não pode perder a sua vocação de profeta. Não é uma questão de esquerda, de centro ou de direita, é uma questão de verdade e de anúncio. Se a verdade estiver em uma dessas posições é lá que a Igreja vai estar. E é lá que devemos estar.

noticias.cancaonova.com: Sobre a formação do leigo para a política

Teóloga: Nós nos preocupamos muito, quando chega o ano de eleição, com a formação do povo. Percebemos que as coisas estão um pouco perdidas. É preciso que se forme o leigo para as questões sociais e políticas. É exigência do Magistério da Igreja que ele seja formado para assumir sua missão no mundo. Na transformação do mundo segundo os desígnios de Deus.

E, para isso, o leigo tem que ser bem formado dentro da Doutrina Social da Igreja. Ele tem que saber que sua omissão no campo social, gera uma cultura de morte. E já que nós somos defensores por excelência da vida, precisamos não só defender a vida que começa no útero, mas a vida que continua depois que a criança vem ao mundo. E uma criança não pode permanecer em cima do esgoto a céu aberto, sem escola, sem possibilidade de trabalho, sem moradia digna, e muito menos sem a dignidade de ser imagem de Deus


Fonte: http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=271055.

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