sábado, 16 de julho de 2011

A questão do nepostismo em Maria da Fé

Num passado não muito distante, o nepotismo foi levado ao extremo em Maria da Fé, a ponto do prefeito de então colocar três filhos e um genro como secretários municipais.

Em reação a tudo isso, a Câmara Municipal, na época presidida pelo atual prefeito, aprovou a Emenda nº 12, à Lei Orgânica Municipal, para proibir a prática do nepotismo na nossa cidade. Vou transcrever na íntegra o que ela diz e "traduzir" o que significam alguns termos:


“Art. 74-A – Para a garantia do que dispõe o artigo 74, especialmente quanto aos princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência e igualdade, fica vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional (ou seja: também é proibido o nepotismo no hospital, que é uma fundação pública) de qualquer dos Poderes do Município, sendo nulos os atos assim caracterizados.

Art. 74-B – Constituem práticas de nepotismo no âmbito dos órgãos relacionados no artigo 1º, dentre outras:
I – o exercício de cargos de provimento em comissão ou de funções gratificadas (são os chamados cargos de confiança, de livre nomeação), por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta (linha reta são pais, filhos, avós, netos), colateral (ex: irmãos, tios) ou por afinidade (sogros, genros, cunhados, esposos de tios ou tias), até o terceiro grau, do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores;

Observação: A expressão "terceiro grau" pode causar confusão nos leitores, pois é um termo jurídico. Apenas para deixar bem mastigado, a lei considera como parentes de primeiro grau os pais e filhos; avós, netos e irmãos são parentes de segundo grau; bisavós, bisnetos, tios e sobrinhos são parentes de terceiro grau. Ou seja: primo pode ser nomeado. Outra observação: a lei não fala nada do cargo ser remunerado ou não: se for cargo de confiança, já é nepotismo.

II – a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores;

Comentário: De acordo com nossas leis, a regra é a contratação por concurso. Para contratar sem concurso, só se acontecer algo muito, muito extraordinário, como uma calamidade. A Emenda 12 à Lei Orgânica Municipal vai além: ela também proíbe contratar parentes sem concurso.


III - a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, diretores, gerentes ou controladores, cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, inclusive eles próprios.

Comentário: as leis brasileiras permitem contratação sem licitação em vários casos, como em obras abaixo de R$ 15.000,00 e compras abaixo de R$ 8.000,00. A Emenda 12 proíbe esse tipo de contratação se a empresa tiver parentes do prefeito, do vice ou de algum vereador como sócios.


§ 1º - Não se aplica a proibição prevista no inciso I deste artigo, aos servidores concursados ocupantes de cargos de provimento efetivo do Município. (Se o parente nomeado já for funcionário concursado, não há problema).
§ 2º - A vedação constante do inciso II deste artigo não se aplica quando a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público houver sido precedida de regular processo seletivo, em cumprimento de preceito legal.

Art. 74-C – É também proibida a celebração de contratos com pessoas jurídicas nas quais exista servidor público municipal figurando como sócio majoritário, diretor, gerente ou controlador.

Art. 74-D – O nomeado ou designado, antes da posse, declarará por escrito não ter relação familiar ou de parentesco que importe prática vedada na forma do artigo 74-B.”


Mas...

A Prefeitura entrou com uma ação na Justiça, pois considerava que tal emenda feria a Constituição Federal e o Tribunal de Justiça entendeu que não há irregularidade, conforme vocês podem ver abaixo:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - N° 1.0000.06.432327-2/000. Número do processo:1.0000.06.432327-2/000(1)Relator: CLÁUDIO COSTA Relator do Acordão: CLÁUDIO COSTA Data do Julgamento: 22/08/2007Data da Publicação: 13/11/2007 Inteiro Teor:
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade - Emenda nº 12/2005 à Lei Orgânica do Município de Maria da Fé - Proibição de nomeação e contratação de parentes de agentes políticos no âmbito da administração municipal - Precedentes. Não há inconstitucionalidade formal na emenda parlamentar à Lei Orgânica, estabelecendo a vedação à prática de nepotismo, eis que a reserva de iniciativa do Poder Executivo Municipal abrange, tão-somente, a legislação ordinária, não alcançando a Constituição Municipal. A ausência de explicitação na Carta Federal e Estadual de proibição de contratação de cônjuge ou parente não revela regra impeditiva de sua adoção pelos Municípios. Não há qualquer vedação a que a legislação municipal estabeleça impedimento à contratação de parentes de agentes públicos no âmbito de administração municipal, notadamente à vista do princípio constitucional da moralidade administrativa. Representação inacolhida."

Mesmo assim, a Prefeitura (é importante que se diga que foi ainda na gestão anterior), recorreu para o Supremo Tribunal Federal, em Brasília e pasmem. Conseguiu efeito suspensivo. Ou seja: a Emenda 12 existe, mas não pode ser aplicada enquanto o recurso não for julgado no Supremo Tribunal Federal.


Só que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante número 13 que diz:
"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."

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