quarta-feira, 18 de maio de 2011

O causo de Bruzudanga

O CASO DOS PROFESSORES-GAMBÁS DA CIDADE DE BRUZUNDANGA OU A COISA INODORA

Para começar, o chavão: era uma vez! O causo é verdadeiro: foi no tempo em que os bichos falavam. E, se falavam, era porque sabiam muita coisa. E, se sabiam muita coisa, certamente tinham bons professores-bichos

Nesse tempo que já vai longe, na cidadezinha de Bruzundanga, a fartura de professores-bichos veio abaixo. Os maus tratos, a desconsideração, o veneno de batata, de tomate, de cenoura, a falta de matas e de fontes de água – tudo isso diminuiu a população de bichos que sabiam ensinar nas escolas de bichos.

Num primeiro momento, as famílias da bicharada decidiram que não haveria mais escolas separadas, só de tatus, só de ouriços, só de gambás ou só de lobos e de pacas. As escolas seriam ecumênicas: haveria aluno-bicho de todas as categorias de animais silvestres na mesma sala. A coisa não era fácil. Parecia uma Babel (com a obrigação de se falar uma só língua), mas assim se decidiu.

Outra decisão foi que um professor-tatu, formado em direito, poderia dar aula de matemática e um professor-gambá, formado em biologia, poderia dar aula de língua portuguesa ou de história, por exemplo. Por último veio a decisão maior: a fé desmedida nas apostilas. Segundo a prefeitura (que seguia um tal de Comenius do século XVII), elas resolveriam tudo. Ensinariam tudo a todos – até sem professor formado. Dessa maneira, camuflaram o problema por uns tempos.

Acontece que a arrumação não durou muito. Ninguém aprendia nada. Então começaram a indicar culpados. Primeiro colocaram a culpa nos professores; depois, culparam os alunos. Uma diretora chegou a comentar que era uma pena colocar apostilas tão lindas nas mãos de tanto aluno tapado.... Assim, os professores mais velhos foram morrendo e os mais novos não tinham nenhuma simpatia pelo magistério.

No meio disso tudo, aconteceu o pior. A maioria dos bichos restantes foi sumindo do mapa, saindo da terra natal em busca de coisa melhor. Isso ocorreu também com os professores. Foram quase todos para uma cidadezinha de Minas, chamada Alagoa. Não sei bem se é verdade, mas os jornais da época dizem que lá a prefeitura pagava um piso salarial maior do que o exigido por lei. Eu mesmo vi alguns retirantes passando pelos Pintos Negreiros e pela Barra, caindo nos buracos da estrada, levantando-se e seguindo em frente, com mala e matula.

Todos os professores-bichos se foram, magruços, sofridos e resolutos. Ficaram alguns professores-gambás. Esses, embora não fossem esbeltos (trabalhavam muito e ganhavam pouco), sobreviviam porque, nos arredores da cidade, tinha muito ovo de galinha, que eles bebiam na calada da noite.

Os jornais da época dizem que em Bruzundanga o ovo se tornou uma importante moeda de troca. Era comum as diretoras prometerem um ovo para três professores por uma presença às reuniões ou pela entrega dos planos de ensino dentro do prazo. A prefeitura era mais generosa: em época de ameaça de greve, distribuía um ovo e meio para cada agitador. O Estado dava até três. Assim, tudo continuava.

Passados os anos, começou a aparecer aluno-bicho que nem falava mais, só grunhia e guinchava. Então, a câmara de vereadores, o prefeito e as diretoras, todas as autoridades-gambás tomaram uma decisão: “vamos para Alagoa importar professores, seja lá que bicho for! E foram.

Depois de bombásticos anúncios nos jornais de Alagoa, a diretoria da associação de professores alagoenses, por educação, recebeu a caravana de importadores bruzundanguenses em um grande anfiteatro com muitos e bons professores novos pensando no primeiro emprego.

Então, o chefe da caravana falou das belezas da cidade de Bruzundanga, do azeite, da batata e da abundãncia de ovo como aditivo de salário - e disse que queria contratar professores alagoenses. Em seguida, a secretária passou a falar das tarefas de cada contratado.

Segundo ela, cada contratado (se contratado) assumiria , além de outras tarefas, 5 turmas de 87 alunos-bichos, sendo uma turma letra “A” ou “B” (os melhores ou de famílias influentes) e quatro turmas “X” e “Z”, (os piores, o refugo) – essas turmas geralmente localizadas na periferia da escola ou da cidade. Por fim, concluiu, REVELANDO O PISO SALARIAL que pagariam e dizendo que os contratados não se arrependeriam, pois os alunos, todos gambás como os da caravana, eram muito bons e a remuneração extra, por meio do insentivo-ovo (de galinha, de codorna e de tico-tico) era melhor ainda. Foi a gota d’água!

Quando a secretária disse “passemos então às inscrições”, todos saíram da sala meio apressados. Não ficou ninguém. Só o representante da associação alagoense – e somente por respeito, pois era muito educado e falava bem que era uma beleza. O chefe da caravana, então, protestou:

-“Preconceito! Abaixo o preconceito! Me sinto ofendido! Eles não querem ir ensinar em Bruzundanga POR CAUSA DO CHEIRO FORTE QUE TEMOS, não é?

- “Não, nada disso, disse educadamente o presidente da associação alagoana. Eles se recusaram a ir e fugiram POR CAUSA DA FALTA DE CHEIRO... O PISO SALARIAL PROPOSTO por vocês é INODORO!!!

- “Mas não é FEDORENTO!” Retrucou o chefe da caravana bruzundanguense, irritado e de dedo em riste.

-“O que é bem pior, meu caro! Esse piso salarial NEM FEDE E NEM CHEIRA! Nem espanta de vez e nem atrai de verdade nossos jovens candidatos a professor! Diante de um salário desses, o professor pode ADERIR ao magistério, mas nunca vai ASSUMIR o trabalho de educação. Isso é coisa parecida com o que acontece em campanha eleitoral: um partido adversário de outro, por conveniência, por não ter outra coisa a fazer em determinada circunstância, ADERE temporáriamente a ele, MAS NÃO ASSUME as suas bandeiras. Disse isso e despediu-se dos visitantes de Bruzundanga.

- “Vamos embora, disse um bruzindanguense em voz alta, pois esses professores não tem vocação!”

Os jornais da época, muito amarelados e faltando paginas, não fornecem muita informação sobre o fim dessa história. A não ser uma foto descorada de um contracheque da época. – com a informação de que o contracheque dos professores tinha um metro de comprimento (por causa dos penduricalhos das recompensas-ovo) e meio centímetro de salário... Ninguém sabe como isso terminou. Sabemos apenas que hoje os bichos não falam mais, apenas grunhem e guincham. E, por isso... os homens os amam tanto...

Genésio Fernandes