domingo, 10 de abril de 2011

O causo do mariense de desejo estranho

Esses grotões de Maria da Fé tem causos e mais causos. Tem histórias pra contar em mil e uma noites e muito mais. O que vou contar aqui é o que me contou um homem que dizia saber de mais coisas do que os mortais. Afirmava ele que já tinha morrido DUAS vezes e voltara com visão das coisas daqui e de lá, do além. Então, podemos dizer que ele tinha a visão do pé em dois lugares e olhos bem mais do que abertos.

Sei que alguns marienses estão dizendo “cruz credo”! Mas existem outras honradas pessoas que desejariam tal privilégio para ver os escondidos daqui e os mistérios de lá. Desejar ver não é pecado. Pecado mortal é não querer ver ou deixar de ver, por conivência – ou, ainda, deixar de ver bem, por ser morno. Quem crê em Deus deve saber de cor aquela frase: “porque és MORNO, nem quente e nem frio, eu te cuspo fora da boca”.

O tal homem era deste rincão montanhoso. Nascera na roça e, depois, cansado de andar em estrada esburacada dos Pintos, mudou-se para uma rua soturna, 1313 quarteirões depois da prefeitura. Cada louco tem sua mania: a dele era O DESEJO DE SENTIR O PRAZER DO ESPANTO E DO HORROR. Por isso, não perdia um só filme

desses macabros. Mas, mesmo assim, vivia frustrado, achando que não vira, ainda, em plenitude, o prazer do estado de espanto e horror. Tem gente que deseja cada coisa neste mundo!!!

Um dia uma dessas moças de alma caridosa tentou ajudá-lo. Disse-lhe: “veja essa gota que pende iluminada de uma folha depois da chuva: não é um espanto, senhor”? Ele confirmou que sim. Outro dia, um cidadão, passando pela frente da prefeitura, viu uma senhora perder uma nota de cem reais: correu, catou-a e entregou gentilmente para a dona. Ela quis dar-lhe recompensa, mas ele se negou a receber, porque era seu dever respeitar os outros e zelar pelo bem da vida comum. E a mesma moça disse ao senhor: “isso não é um espanto, meu senhor”? É claro, ele disse.

Mas ele não queria sentir o prazer do espanto com as coisas do bem e da beleza, e sim com as coisas do mal, da maldade, do desprezo mais fedorento pelo município inteiro. Um dia ele morreu. Conta ele que bateu as botas por sofrimento de frustração: não vira, em vida, nada de espantoso ou que lhe causasse o horror dos horrores – embora, como sabem todos, essas coisas existam bem às nossas fuças. Do outro lado da vida – e ainda triste – por falta do prazer da visão do horror, essa alma chamou a atenção de São Pedro. O santo, que dizem ter sido a dura primeira pedra da igreja, foi sensível, comoveu-se e resolveu dar-lhe uma chance. “Não posso ver almas que chegam aqui com desejos irrealizados. Vou te dar a chance de ter o prazer da
visão espantosa e horrorosa que tanto o senhor desejou em vida, lá na sua Maria da Fé”, disse-lhe São Pedro, de um jeito paternal. O tal homem, ou a alminha dele, ali parada na portona do céu, abriu um sorriso e seu rosto iluminou-se, colorido e alegre. Vou ter o prazer de ver o horror, pensou!

O guardião das chaves do céu, porém, advertiu-o: “não reclame se o ESPANTO e o HORROR for demais, meu filho!” Então o santo largou um cadinho umas chave grande,e clicou numa tela imensa do seu computador celeste... O que nela pareceu deixou o homem assim, vejam:


Em seguida, ele caiu morto na porta do céu... Morreu!? Melhor dizendo, ele RE-morreu de ESPANTO e HORROR - e voltou à sua cidade de oliveiras em flor, com a certeza da ampla visão dos escondidos e subterrâneos males. A nossa terra de olivais, para o bem de todos, anda cada dia mais abarrotada de curiosos, quando o assunto é a coisa pública. Eu sei disso. Muita gente aplaude e poucas lamentam. É, pois, muito natural que estejam todos perguntando: “mas o que ele viu?” Sabem o que ele viu na tela do computador do Pedrão, quando ele clicou num arquivo preto?

Ele viu, claro como o dia, num relance, papelzinho por papelzinho, recadinho por recadinho, recibinho por recibinho, continha por continha, contratinho por contratinho, conveniozinho por conveniozinho – viu tudo o que fizeram na administração da prefeitura, desde o começo dos tempos... e de outro lado uma população passiva e sem direitos reconhecidos. Não é o horror de matar até alma já morta!!!


(Genésio Fernandes)