quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Ponto de Vista

Existe uma expressão que não possui uma importância apenas semântica, mas que também tem sua utilidade prática. Já há algum tempo ela chama minha atenção e me faz refletir de forma profunda sobre minhas opiniões. Essa expressão é a seguinte: “ponto de vista”. Expressão esta que tem muitos significados. Eu descobri, por exemplo, que nas artes “ponto de vista” é entendido como o ponto que o pintor escolhe para pôr os objetos em perspectiva. Todavia, não é exatamente esse uso da expressão aquele que mais me interessa (até porque minha veia artística nasceu trombosada). Sua forma figurativa, essa sim se presta aos propósitos que impulsionam minhas fantasias reflexivas sobre como é importante o tal “ponto de vista”. Assim sendo, apresento como encontrei no meu velho Dicionário Aurélio a definição de ponto de vista em sua forma figurativa: “maneira de considerar ou de entender um assunto ou uma questão, perspectiva”.


Milênios de ponderações filosóficas e científicas determinaram o “ponto de visão” como uma variável essencial a ser levada em conta quando se quer entender a forma como algo é visto. Um exercício bem simples para exemplificar a profundidade do assunto é atentar para o simples fato de que um objeto muda de posição quando o observador que olha para ele se desloca, como quando olhamos para uma árvore a partir de um carro em movimento. O termo paralaxe (do grego parállaxis), inclusive, é usado pelos físicos para definir a mudança de posição do objeto conforme muda o ponto a partir do qual ele é visto (mesmo o objeto estando parado).


Definido o que é “ponto de vista”, eu gostaria de expressar aqui o que eu penso sobre as eleições municipais em Maria da Fé, (alguns de) seus candidatos e (alguns de) seus eleitores, sem considerar como certa ou errada minha própria opinião, mas apenas entendendo que ela é fruto do meu ponto de vista. Certamente alguns gostariam que eu assumisse minha opinião como uma verdade absoluta, mas a única verdade absoluta que eu conheço é a morte. As outras verdades são todas verdades relativas.

Constatei desgostoso que Maria da Fé não é mais aquele lugar encantado no qual se podia dormir com as janelas abertas sem se preocupar com assaltantes ou pernilongos. A cidade encontra hoje desafios sociais, econômicos e ambientais importantes e que contribuem muito para que a qualidade de vida tenha diminuído tanto nas últimas décadas. Falta de habitações, construções irregulares, calçadas inapropriadas, economia pouco dinâmica, pobreza, crimes ambientais, violência e falta de controle de animais tornaram-se problemas crônicos na nossa cidade.

Eu gostaria de apontar como isento de qualquer culpa um administrador público dentre aqueles que passaram pelas esferas de poder municipais nos últimos 20 ou 30 anos, mas não posso. Alguém que pudesse ter proporcionado mudanças na estrutura e infraestrutura da cidade, que pudesse ter incentivado a economia a se desprender de seus moldes arcaicos, incentivado a educação melhorando as condições de trabalho e salário dos professores municipais. Alguém que tivesse se esforçado para trazer escolas de nível técnico e superior para a cidade.

Procurei sem sucesso um administrador que pudesse ter implantado projetos sociais cujas etapas funcionassem como um “plano de carreira” às crianças das áreas mais pobres para que elas conseguissem (desde que assim fosse a vontade delas) vencer de forma sólida e definitiva sua condição social. Alguém que utilizasse políticas esportivas como ferramenta para introduzir indivíduos na educação (como é feito nas universidades norte-americanas) ou no esporte profissional e não como uma forma de entretenimento com propósitos eleitoreiros implícitos. Alguém que tivesse visão de futuro.

As eleições municipais estão realmente muito próximas. Percebi que dentre os políticos mais antigos não encontro um candidato ideal, rígido no que se refere à conduta ética e moral. E mesmo que eu ficasse menos rigoroso nos meus critérios, os de razoável capacidade de contribuição para uma administração pública minimamente aceitável sequer enchem uma combe. Assim, sou forçado a concluir que talvez fosse de bom tom torcer para que ninguém (qualquer que seja o mandato ou cargo já ocupado) fosse reeleito.

Dentre os eleitores também há aqueles que parecem viver num atraso de 50 ou 60 anos no mínimo (acredito que seja uma minoria). Vendem seus votos. E, surpreendentemente, não porque são procurados por candidatos (apesar de isso acontecer com certa frequência), mas porque, ao saberem que alguém é candidato a prefeito ou vereador, não fazem cerimônia em pedir trabalho, toda sorte de bens materiais ou a quitação de alguma “continha”.

Estou tentando parar de julgar. Mas, seria possível um ponto de vista que permitisse não julgar a forma como agem (alguns) candidatos e eleitores? Existe uma perspectiva através da qual eu poderia ver tudo isso sem ser influenciado por minhas opiniões? Sem vieses? Torço para que tudo isso um dia será possível a mim. Quem sabe não é só uma questão de tempo, paralaxe e ponto de vista?

"Saudade do que poderia ter sido e não foi" Clarice Lispector
Égua Astronauta